Não sei se é culpa da televisão, do cinema ou de um hábito cultural mais antigo, mas parece que todo casal tem “a nossa música”. Atualmente eu não tenho sequer um par para formar um casal, mas mesmo quando tinha, nunca tive com eles “a nossa música”. Há sim uma música que faz meus olhos encherem-se de lágrimas quando escuto, mas não é exatamente nossa, é minha: a música cujos versos definem cabalmente para mim o sentimento de paixão. É como aquela cena do filme O Fabuloso Destino de Amelie Poulain em que o corpo de Amelie se desintegra quando chega perto do mocinho: pra mim é a descrição visual mais perfeita possível de uma paixão no primeiro estágio, isto é, antes da declaração – verbal ou oscular - de interesse mútuo. Esse estágio é muito comum na adolescência, mas vai se tornando mais raro na medida em que conhecemos o mundo dos relacionamentos e adquirimos uma prática altamente anti-romântica, além de uma alta dose de ceticismo.
Há também um segundo estágio da paixão, raríssimo enquanto você é jovem, raro quando ultrapassa a barreira dos 25 e a manifestação mais dramática que já vi dele foi uma dor-de- barriga-pré-segundo-encontro. Sim, o segundo encontro é mais importante que o primeiro porque indica que vocês corresponderam de alguma forma às expectativas um do outro. E sim, foi dor de barriga mesmo, rápida, fulminante, intensa. O sinal do segundo estágio da paixão 5 na escala Richter só se manifestou para mim uma vez e nunca ouvi alguém me contar história semelhante, mesmo porque as pessoas geralmente não falam sobre o fruto de suas entranhas assim tão abertamente, muito menos ainda se estiverem falando sobre algo tão sublime e etéreo quanto a paixão.
E finalmente chegamos ao terceiro estágio. Ele só pode acontecer depois de uma certa acomodação no relacionamento. Acontece depois que o deslumbramento mútuo arrefece, depois que você não está 100% do tempo concentrada em impressionar, só aí você pode realmente conseguir observar e admirar a pessoa na presença dela. Para mim a tradução musical desta fase está nos versos de uma música tão pop que já foi até trilha de novela da Globo: “Don`t get me wrong / if I am looking so distracted / I`m thinking about the fireworks / that go off when you smile”. O terceiro estágio da paixão máxima é uma espécie de paixão consolidada, embora isso pareça uma contradição em termos (se fosse consolidada não deveria ser amor?).
Eu estive lá, no segundo e terceiro estágios com a mesma pessoa e de cética passei a incrédula. Eu vivi o sentimento de ver o no-mínimo-improvável acontecer, quando o sorriso dele era para mim tão gostoso de ficar olhando como fogos de artifício. Mas, como eu dizia no começo, não era a nossa música, era a minha música e a outra parte resolveu seguir carreira solo. E hoje eu canto sozinha, não incompleta, apenas à capela, mas duvidando de que aqueles versos voltem a fazer tanto sentido. Não ceda ao impulso de tentar me consolar, ainda que mentalmente, não há necessidade. Eu sei que existem outras músicas a serem descobertas e outras que ainda nem foram compostas.
24.1.07
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