A vida é uma Geleca*: sempre adquire formas inesperadas, está sujeita a todo tipo
de influência do ambiente e assusta os que não entendem sua verdadeira natureza.
Acaba de começar o fatídico ano em chegarei aos 30. Inspirada pela enxurrada de produtos com esse tema despejados no mercado pela indústria cultural, não resisti à tentação de fazer também meu balanço das primeiras trinta primaveras desta vida. Digo “desta” vida não porque ache que haja outra antes ou após, mas porque quero dizer da minha vida.
Não sei se foi auto-sugestão, mas o fato é que entrei em crise, perguntando-me o que eu construí até agora, qual o significado dessa existência etc. A crise, primeiro, é algo assustador, mas com o tempo vemos que ela é o prenúncio da mudança e aí então, abraçar a mudança pode ser uma experiência maravilhosa. Aliás, o que seria a vida sem a mudança?
Pois é, a mudança é a vida e entender isso é, de uma certa forma, a chave da felicidade. E o que isso tem a ver com a crise dos 30? Bem, é uma longa história e vou começar do tempo em que eu tinha uns seis ou sete anos... Nessa época as crianças ensaiam para a vida adulta brincando com bonecos: Barbie, Falcon, Playmobil, essas coisas. A minha Barbie, sempre mudava de nome - Stéfãni, Sabrina ou Keli -, mas nunca mudava de perfil: era sempre uma mulher muito independente, cheia de sucesso e com um namorado liiiindo (sem muita biografia, é verdade, uma vez que a criança pequena é egocêntrica). Mas o curioso é que eu ficava horas planejando a vida dela: montando a casa, definindo sua rotina, seu emprego, sua formação superior, enfim, seu mundinho perfeito e perfeitamente estático e então, antes de começar a brincadeira acabava.
Só quase 30 anos depois fui entender que aquilo era a brincadeira em si, assim como no mundo real, a vida é uma construção infinita na direção do mundo perfeito. Antes de entender isso acreditava que a vida só poderia ser Vida com “V” maiúsculo se tudo estivesse certinho no seu lugar como a casa da Barbie, o shopping da Barbie e o escritório da Barbie.
Era essa vida perfeita que eu planejava ter quando tivesse 30 anos. E saber que, findo o prazo, isso não será realidade me fez pensar em tudo isso. E concluí que a vida perfeita é exatamente o fim da brincadeira.
Aí você se pergunta se este texto no pior estilo auto-ajuda serve pra alguma coisa. Serve pra tentar convencer a mim mesma que não há nada de errado na minha vida, ou melhor, que quando se trata da existência o parâmetro de certo e errado nem sequer deve ser aplicado. Essa reflexão que faço enquanto escrevo está me fazendo aceitar que as coisas nunca sairão exatamente como planejado, que sempre haverá peso a perder, leituras a por em dia, antigos amigos a visitar, que sempre poderíamos ter passado mais tempo com nossos pais, que nenhuma viagem de férias é divertida e emocionante o tempo todo, que meus amigos e eu não temos afinal tantas afinidades assim, que minha casa sempre vai ficar um pouco “por decorar”, que o salário nunca vai ser suficiente, que é impossível não brigar com meus irmãos de tempos em tempos, que a mudança política é tão lenta e imperceptível para o ser humano quanto a rotação da terra...
Entender a fluidez natural da vida é como de repente desvendar o segredo da Matrix. E depois de entender que isso vale pra todo mundo, a sensação de incompletude deixa de ser angustiante e torna-se quase agradável. Convenci você? Eu estou quase convencida. Quase modificada. Acho que sou até capaz de deixar a Barbie de lado e voltar a me divertir com uma geleca de brinquedo.
* Brinquedo gelatinoso muito popular na década de 80.
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